sexta-feira, 16 de abril de 2004

Religare

No seminário que freqüento por vezes fazemos um culto durante o intervalo.
Ah! Não sabiam? Pois bem, cansei de ficar sentado aqui na frente do Mac e resolvi voltar aos bancos escolares. Desde o início deste ano, faço parte do Seminário Batista do Rio Grande do Sul.
Bem, voltando ao assunto, no serviço de duas noites atrás, um misto de tudo o que aprecio e de tudo o que abomino em termos de experiência religiosa evangélica.
Ao chegar (atrasado) encontro o salão tomado por um belíssimo som de um coral. Execução primorosa, vozes afinadas, musica tradicional em arranjos modernos (mas não demasiadamente). Aquela mesma música que parece existir desde sempre, tocada de uma maneira nova, mas igualmente prazeirosa de ouvir. No fundo, um piano discreto completando a belíssima cena. Minha alma se elevava junto com as vozes, para o trono de Deus.
Acabando esse número, chega o próximo. Uma irmã, com a voz bela e forte, mas com pouco brilho e elegância. Quando começou a cantar, de fundo um playback horrível, desses com teclado imitando piano, flauta e órgão ao mesmo tempo. No projetor, cenas do filme Jesus correndo livremente, sem sincronia com a música. No ambiente aquela sensação horrível de que o "show" não foi feito para glorificar a Deus, mas para sentimentalizar o homem. Tinha o gosto asfixiante de manipulação barata.
Fechei os olhos e tentei evitar as cenas fora de sincronia e o som do playback. e me concentrei na voz, que realmente era boa, chegando quase a ser um desperdício de talento natural aquela voz nessa execução.
Na mensagem uma exortação estreita, míope: "Faça assim porque Deus mandou"! Pensei: será que essa gente não consegue com o evangelho fazer melhor do que o Osama Bin Laden faz com o Alcorão? Será que ele nos acha tão estúpidos que se não nos repreender como crianças de 7 anos de idade nós, os estudantes, tantos deles tão melhores do que eu, não faremos o que é certo?
Já não conseguia mais me elevar espiritualmente. Aquela encenação, sem dúvida bem intencionada, formulada com o intuito de me aproximar de Deus, era o que mais me afastava Dele naquela hora.
Para completar a cena de horror, pedem para orar, e no meio do povo sai aquela oração modular, feita em pedaços pré-estipulados, escolhendo frases do jargão evangélico, sem espontaneidade e cheia de pompa, como se quem a estivesse proferindo quisesse impressionar a Deus.
Deus - dizia a voz: nos cura, renova, manifesta em nosso meio, liberta, unge, santifica.
Misture essas palavras, coloque algumas ligações, altere a sua seqüência e está pronta uma oração modular para todas as ocasiões, tanto para casamento quanto para velório.
Felizmente, antes de terminarem, chamam o coral novamente. "Oba"! - pensei.
Mas antes de cantarem, uma jovem, pequena, tímida, gagejante, junta toda a sua coragem e se dirige para os demais. Suas palavras saiam desarticuladas, não formava uma frase direito, se desculpava sem cessar por não saber se expressar, mas com coragem falava do que sentia no coração, do que o Espírito lhe falara em oculto. Sua forma não era elegante, mas também não era vazia. Não era metódica, mas era sincera. Não era treinada, mas era pura.
Não precisou cantarem para que minha alma aspirasse novamente as alturas.
Essas são as duas coisas que me comovem no meio religioso em que vivo. O amor ensaiado, mas manifesto no treino e na execução primorosa e que nos edifica no caráter. E aquele amor que explode sem aviso, e nos enche de coragem.
O resto é religião seca.

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