Tudo o que se tem que falar sobre a olimpíada está escrito por ai. Basta uma pequena circulada entre os blogs e colunistas on-line mais recentes e se tem um apanhado bem completo do que se passa na cabeça das pessoas sobre a edição 2008 das olimpíadas.
Mas uma abordagem que eu ainda não ví foi a abordagem "teológica" do evento. Na falta de uma, produzo algo do gênero.
O que mais se fala por ai é o desempenho pífio da delegação brasileira, transformada em Cristo, para que através da sua morte (sofrimento) redimisse todo o povo brasileiro não do pecado, mas da mediocridade. Os atletas padeceram sim, mas sem ressurreição e muito menos glória. Assim como a ressurreição deu sentido à paixão, da mesma forma a vitória dá sentido ao sofrimento obtido em anos de treinamento e abnegação pelo esporte (e no caso do Brasil, um sofrimento extra pela “infância difícil” sempre lembrada e pelo descaso do governo, sempre o culpado das derrotas do povo, uma posição que ele mesmo fez questão de ocupar). A medalha de ouro é a consumação da vitória, um símbolo que representa ao mesmo tempo a dedicação e treinamento como a superação dos seus iguais. É o equivalente cristão da glorificação de Cristo, assentado agora à direita do Deus Pai.
A falta de um número significativo de medalhas de ouro expõe o fracasso da delegação brasileira, expõe o país do qual a delegação pertence e expõe o povo que compõe o país. Nossa sociedade não produz campeões, mas porque? O governo, como sempre, vai ser apontado como principal culpado, mas não sinto pena dele, primeiro porque ele tem mesmo uma parcela grande de culpa, segundo porque, como já mencionei, essa posição paternalista foi assumida marotamente por ele, que usa essa posição para manipular a população e tentar fazer “filhos bem comportados”. Merece agora receber pedradas e ser desprezado. É como se Deus Pai não tivesse ressuscitado seu filho. Culpamos a Deus, e culpamos os governos ser vítimas de forças maiores é uma posição confortável para o pensamento brasileiro típico.
Percebi isso na entrevista que a Rede Globo fez com Fabiana Murer logo após o caso do sumiço da vara, quando ela saia de campo com a certeza da derrota. O repórter fez de tudo para transforma-la numa vítima. Ela lutava para manter a dignidade defronte as câmeras, fazia sorrisos forçados, procurava se recompor a cada baque que a memória da derrota trazia. O repórter insistia: “você não se achou injustiçada”? “você não teria chance de vencer se isso não tivesse acontecido”? ele insistia e insistia e ela lutou bravamente, até que ele usou de sua “arma secreta”, truque sujo da Globo para trazer lágrimas às câmeras em caso de vitória ou derrota. “Estamos com sua mãe e familiares ao vivo, você não quer mandar um recado pra eles”? Notem como ele não falou “família” mas empregou “mãe e familiares”. A mãe e tudo que uma alma carente precisa nessas horas. A atleta não agüentou e verteu as tão esperadas lágrimas com as quais se esperava que se lavassem as almas dos brasileiros. “Nós somos bons, mas fomos injustiçados” é o que clama esse evangelho espúrio.
O único medalhista de ouro até agora não se enquadra na figura do perfeito brasileiro, um sofredor vindo das classes humildes que passava fome quando criança e agora é primeiro do mundo. Para ser um herói no nosso imaginário precisamos desse elemento, se algum dia o Brasil tiver um Capitão América, ele terá passado fome na infância e terá uma mãe que nasceu analfabeta. Mas Cielo, medalhista de ouro nos 50m na natação, não se enquadra nesse perfil. De classe média, embora classe média no Brasil não seja lá grande coisa, ele nunca deve ter passado fome, e numa outra comparação com Cristo, dessa vez negativa, ele não podia ser o messias, porque não estava livre do pecado, Cielo não é humilde o suficiente, traz aquela confiança nos seus treinamentos que, segundo ele, é confundida com arrogância, um erro muito comum por aqui. Como se não bastasse ser confiante, ele ainda abandonou o Brasil e foi viver e treinar nos Estados Unidos. Para a medalha de ouro olímpica ter atributos salvíficos para nós, não basta o seu vencedor ter nascido humilde e ter crescido humilde e se portar humildemente. ele precisa ser humilde no treinamento também. precisava ter treinado no piscinão de ramos, ou no rio amazonas e não numa piscina aquecida num país de primeiro mundo.
Essas exigências todas não são gratuitas, porque o povo acaba se espelhando no atleta para acreditar que ele mesmo não é medíocre, mas campeão. E assim como o Cristo deveria ser “um de nós”, sujeito a toda a tentação, como qualquer um de nós, mas ao mesmo tempo perfeito e sem pecado (hebreus 4:15, Bíblia), assim também a esses “redentores do povo“ devem ser ”um de nós“ ter nascido como ”um de nós“, ter crescido como ”um de nós“ e ter vivido (treinado) como ”um de nós“. Porque somente sendo eles um de nós, nos podemos vivenciar a vitória através deles.
O nome ”Olimpíada“ vem do ”Monte Olímpo“, o lugar onde os deuses gregos viviam. A idéia era que um atleta campeão se aproximava dos deuses através de suas façanhas.
Como eram espertos esses gregos, até hoje as coisas continuam assim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário