quarta-feira, 19 de maio de 2004

Coisas que aprendi no seminário

Durante a aula de Metodologia do Estudo Bíblico, o professor, arminiano, sai em defesa do seu ponto de vista. "A pergunta que eu faço para Calvino é..." Quero ver ele responder essa.
O Professor não é de todo ruim, tem seus talentos, embora teologia e raciocínio puro não estejam entre eles. A pergunta que ele faz para Calvino, como se fosse uma grande descoberta sua, foi respondida ainda no século XV, e nem foi Calvino quem a respondeu, foi respondida antes dele por Lutero, na sua resposta para Erasmo de Roterdã, no livro "Der geknechtete Willen" ou "A Escravidão da Vontade".
A teologia é assim; porque ninguém a estuda a sério, vivemos repetindo os erros do passado. Estamos sempre reinventando a roda apenas para perceber que a roda que construímos era quadrada.
Um remédio eficaz para tal mau é a humildade.
O professor, já disse, não é de todo ruim. Carioca, trabalha como pastor entre os gaúchos, largou suas praias de areias quentes pelo frio das coxilhas dos pampas. Infelizmente, mesmo vivendo a vários anos no Rio Grande do Sul, não fez esforço visível para assimilar a cultura, não sabe o que é uma guaiaca muito menos um xiripá o que em termos missionários é terrível. Ou seja, o cara não é de todo ruim, mas nem de longe isso é o suficiente para peitar Calvino.
Calvino foi e é considerado um gênio, culto, dominava o francês e o latim a ponto de sua grande obra "As Institutas" serem um referencial da língua francesa até meados do século XVII. Seu latim clássico era mais do que excelente, tendo escrito várias obras nesta língua sendo todas elas um exemplo de erudição e talento. A supracitada "As Institutas" que na sua edição final chega a alcançar 39 volumes, além de expor seu talento como escritor e erudito, foi o pilar, o alicerce teológico do protestantismo que então surgia como alternativa ao domínio do papado. Pode-se dizer, baseado nisso, que foi o alicerce do norte europeu, e da civilização que dali surgiu. Assumiu o pastoreado de Genebra, quando essa cidade estava tomada pelo caos, separou a autoridade da igreja da autoridade do estado, dando o precedente desse divórcio mais do que bem-vindo, e que dura até os dias de hoje. Reconstruiu Genebra das cinzas, lançando os fundamentos que a tornaram uma grande cidade, exemplo de justiça até os dias de hoje. O cristianismo protestante deve quase tudo o que tem em termos teológicos, a esse homem.

Esse pequeno e incompleto histórico deveria ser mais do que o suficiente para fazer o professor dar dois passos para trás e pensar melhor antes de lançar sua pergunta boba na cara de Calvino. Se o tivesse feito, teria descoberto que a sua pergunta não era tão original assim, nem tão difícil de responder assim.
Hoje em dia qualquer um acha que pode peitar os outros sem a necessidade de se avaliar primeiro e ver se tem condições de entrar em tal aventura.

No caso do meu professor, a distância de vários séculos e a ignorância geral que a turma tinha sobre as obras clássicas da teologia, serviram de escudo para encorajar o dito a esse ato de heroísmo.

As vezes a distância e o anonimato trazidos pela internet fazem o mesmo efeito nas pessoas. Pessoas muito despreparadas e com pouca experiência de tudo se acham no pleno direito de pleitear causas que mal conhecem contra pessoas evidentemente mais centradas, estudadas e vividas.
Se estivessem ambos os antagonistas frente a frente, onde a estatura dos homens se faz sentir no olhar, no tom da voz, nas atitudes, dificilmente o néscio iria querer enfrentar o experiente, a distância que separa um do outro estaria evidente demais.

Mas é claro, outro fator estimula o néscio a enfrentar o sábio.

É um ato de valentia. Falsa valentia, é importante ressaltar, pois o néscio não incorre em risco nenhum. Mas mesmo assim essa falsa valentia é uma atitude cobiçada, pois mesmo que a valentia falsa não colabore em nada para aperfeiçoar o caráter, ela serve como estimulante para o ego, e no estimular do ego jaz o centro do mundo pós-moderno.

O professor escutou os aplausos da maioria dos alunos, aqueles mesmos que não se preocuparam em ler Calvino, Lutero, Agostinho ou mesmo Aquino, mas que acharam bonito ver o professor desafiar "o gigante" Calvino.

Da mesma feita, os néscios on-line receberão seus aplausos, daquela mesma turma que acha bonito atitudes de falsa coragem.

Para os demais fica o consolo de que como disse Jesus "eles já receberam sua recompensa". Quem busca aplausos, vai receber esses aplausos, mas vai receber apenas isso, essa é a recompensa deles: memórias vagas de um triunfo obscuro.
Quem busca a sabedoria e a verdade, ou ainda o Reino de Deus, vai recebê-lo, e se encherá de alegria. "Porque aonde está o teu tesouro, ai está o teu coração".

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