quinta-feira, 23 de dezembro de 2004

Uma homenagem ao meu amigo zé, que tanto tem contribuído nos comentários, uma história real ocorrida na minha cidade natal, e que teve como personagem principal um seu xará.

Zé Manco e a Ovelha Assassina

Profissão: Carroceiro, Alcunha: Zé Manco. Era tudo o que se conhecia acerca daquele estranho personagem que percorria as ruas esburacadas da periferia de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. Zé Manco, porque mancava. Se por efeito da cachaça, que ingeria quer fosse dia, quer fosse noite, ou por deficiência física mesmo, isso também não se sabe.
Mas, mesmo não sendo a pessoa de Zé Manco uma das mais populares, ao menos um evento em sua vida o projetou ao "status" de de celebridade. Tal evento passou a ser conhecido como o "causo" do Zé Manco e a Ovelha Assassina.

Num dia qualquer de verão, encontramos nosso personagem carregando sua bicicleta e acompanhado de um amigo, cujo nome se perdera durante a formação dessa já afamada lenda urbana interiorana.

Como de costume, eles voltavam de seu ciclo de peregrinação aos bares e bolichos da região, porque se existisse alguma devoção que constrangesse aquelas duas almas, ela era praticada nos balcões dos bares e tinha no bolicheiro que servia a cachaça, seu sumo sacerdote.

Nesta tarde eles não voltavam sozinhos como era o seu costume. Acompanhava-os, devidamente acomodada na garupa da bicicleta, a carcaça de uma ovelha, repleta de furos e cortes de faca, da mesma faca que agora descansava bem acomodada na cintura de Zé Manco.

E seguia a dupla, falantes e faceiros, antecipando o destino que dariam a ovelha que os acompanhava. Assada, com arroz, cozida com batatas ou num ensopado bem fervido. Para acompanhar, a velha cachaça de sempre, ou quem sabe ousariam na sofisticação e abririam uma cerveja bem gelada. O futuro parecia brilhante e promissor.

Mas, como reza o ditame popular, alegria de pobre dura pouco, e o Zé era tão pobre quanto pingunço, não demorou para que passasse, justa naquela estrada, justo naquela hora, uma viatura da brigada militar, que ao ver a atitude para lá de suspeita da dupla, gentilmente lhes ofereceu uma carona até a delegacia de combate ao abigeato.

No interior, todo delegado de polícia recebe o título de doutor. Apesar de parecer um disparate dos mais sérios, pois em tal profissão nem um dente se arranca com propósitos medicinais, o problema não é a distribuição indevida de títulos, como os mais "esclarecidos" supõem, o real problema é quando essas pessoas começam a levar a sério o título que receberam.
O delegado para o qual Zé Manco fora enviado acreditara em seus atributos intelectuais, e procurava deixar isso claro sendo o mais hermético possível no falar, mesmo quando interrogava pessoas humildes como Zé Manco, que fora o primeiro a depor e de cara recebeu essa pergunta:

Sr. José, haveria, por obséquio, alguma explicação que elucidasse o fato do sr. estar transportando em seu veículo, em via pública, em plena luz do dia, o cadáver de um ovino agredido e morto a golpes de arma branca? Pelo que me consta o senhor nunca foi criador desse tipo de animal.

Pois bem doutor delegado ¿começou Zé Manco, rápida e desembaraçadamente.

O Sr. veja bem, em que mundo esse que nois vivemo. Eu, um homem honesto, trabalhador, pai de família, cumpridor da lei. Tava atravessando um campo doutor, junto com meu amigo, quando apareceu como que do nada, essa ovelha maleva, ordinária, cheia de má intenção e covardemente nos atacou a mordidas, querendo nos matar...
Dai não tive escolha doutor, tive que defender minha vida...

Zé Manco, além de pobre e cachaceiro, era muito azarado. Se tinha alguma coisa que deixava o "doutor" delegado "fora de si" era quando tentavam enganá-lo. Quando isso acontecia, o agente da lei entendia que a pessoa achava que ele era bobo, ou idiota, e isso mexia com a sua vaidade.

Tentar convence-lo de que uma ovelha mordia foi a maior mentira que tentaram passar nele, e tenho que admitir, deve ter sido mesmo.

Contam que a surra no "quartinho" da delegacia foi tão grande que quase deixou o Zé manco da outra perna.

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