Sobre Meninos e Dekasseguis
Uma das raças mais impertinentes e inúteis desse planeta terra é o dekassegui.
Dekassegui, para os que ignoram as correntes migratórias tupiniquins, é o cidadão ou de descendência japonesa, ou casado com alguém dessa descendência, e que foi forçado a deixar o Brasil para fazer o trajeto inverso de volta ao Japão e lá, na terra que seus pais deixaram nos períodos pré e pós-guerra, procurar trabalho com salários decentes, o que não conseguiriam no Brasil.
É ai que começa a verdadeira miséria do dekassegui, são como as almas que vivem no limbo, as quais Dante descreve tão propriamente na sua Divina Comédia. Por não serem nem más o suficiente para descerem ao inferno, e nem boas o suficientes para subirem aos céus, elas vagam, flutuando num nada, murmurando eternamente. Tais são os dekasseguis.
Não têm condições, nem desejam ter na verdade, de ascenderem dentro da sociedade japonesa ou mesmo de retornar ao Brasil e manter a mesma qualidade de vida que tinham no Japão. Eles também não são tão tontos a ponto de ficarem no Brasil quanto tiveram uma oportunidade de sair e morar fora.
Portanto, por não conseguirem subir, e nem descer, eles vivem nesse nível limbático de mediocridade em que eles mesmos se meteram e não querem e nem podem sair.
São boçais, já observaram dois dekasseguis conversando? Não? Certamente não. Deixa eu descrever para ti: Eles se juntam em grupos nas esquinas do Japão, uma atitude considerada de má índole naquele país e portando enfrentam certa hostilidade dos habitantes que os olham desconfiados. Mas praticam tamanho ato subversivo para que? Para se reunírem e falarem apenas sobre Zanguiou, Yakin ou Arubaito.
Seriam nomes de seitas místicas milenares? artes marciais secretas? filosofias orientais? Nada tão interessante, significam "hora extra" "turno da noite" e "bico".
São seres tomados pela vontade de juntar dinheiro, juntar dinheiro, juntar dinheiro. Mas para quais objetivos esse dinheiro é juntado? Ninguém sabe explicar.
Existe um sonho entre alguns de voltar para o Brasil e começar vida nova, mas esse retorno nunca se dá, ou acontece apenas para gastarem todo o dinheiro juntado em farras ou abrindo algum negócio, e depois retornarem cabisbaixos para o Japão e a vida de apertar parafusos em fábricas.
A maioria dos dekasseguis vive confusa acerca do seu futuro a médio e longo prazos, vivem para o dia apenas.
Cerca de 85% das pessoas que foram para o Japão na esperança de retornarem para o Brasil continuam vivendo lá. Não tiveram nem persistência e nem competência para viverem novamente no Brasil. É tanta gente que retorna que entre os dekasseguis existe a piada de que "não existe ex-dekassegui". Fórmula semelhante a usada pelo movimento gay quando diz que não existe ex-homossexual, uma maneira de dizer que é impossível a mudança, que é um caminho sem retorno.
Bueno, sou um ex-dekassegui, sou uma impossibilidade, mas só o sou, porque numa época da minha vida, decidi deixar de ser dekassegui, ou ao menos, ser algo mais do que isso, deixar esse papo de yakim para traz, olhar ao redor e ver o que tem para se aprender, e, através do conhecimento, me tornar uma coisa que eu ainda não era.
Os dekasseguis tem uma oportunidade única de aprendizado, moram no Japão um país de cultura milenar e tecnologicamente avançado, mas muitas vezes nem sequer se dignam a aprender a falar o japonês, e dizem isso com orgulho! Se afastam da sociedade onde vivem e montam para si uma espécie de geto, lugar onde prolifera restaurantes brasileiros, agencias de turismo e revendas de carros. São nesses pequenos "paraísos brazucas", que os dekasseguis se concentram e compram mortadela a 300 reais o quilo e carros usados sem liçensa para dirigir. Com orgulho eles comentam sobre sua pequena sociedade decadente. Mas paga um alto preço, quem se orgulha da ignorância.
São 30% de todos os presos estrangeiros no Japão. Entre os acidentes de trânsito envolvendo vítimas fatais, de cada 5, um é brasileiro. Ainda se constata que 36% de todas as crianças em idade escolar não assistem as aulas, ficam em casa ou vadiam pelas ruas, perpetuando assim, a tragédia humana que tem se tornado esse movimento.
Ao invés de usar o dinheiro que ganham para financiar algum curso, ou algo que traga retorno pessoal, preferem gastar em brinquedos hi-tech ou carros envenenados. Desrespeitam praticamente todas as regras de etiqueta japonesas, desde a separação do lixo até um mínimo de cordialidade devida aos habitantes do país.
Ainda me lembro das minhas andanças por livrarias especializadas na região de Tokyo em busca de livros importados em língua portuguesa, pois na época era a única que conseguia ler. Me lembro de pagar até 400 reais por um comentário bíblico que aqui no Brasil eu pagaria 50 reais. Depois, uma ves que retornava a minha casa, tinha que ler a luz de uma pequena lanterna, pois as outras pessoas que viviam no alojamento comigo queriam dormir para trabalhar no outro dia. Pessoas boas, brincalhonas, divertidas, mas incrivelmente boçais, tragicamente desprovidas de um projeto de vida.
É muito mais cômodo ser dekassegui, trabalhar feito um robozinho em alguma fábrica e no final do mês ter dinheiro para comprar um monte de brinquedos, e assim vão levando sua vida.
Sabendo que existem espalhados pelo Japão cerca de 260 mil dekasseguis, fico perpelexo com o desperdício de potencial humano e me maravilho de ter um dia me levantado dentre eles. Uma alma abandonou o limbo.
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