sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

Reepost
Texto antigo, mas que vale a pena ser relido e relido e relido outra vez.

Assim, a vida cristã defende a pessoa em detrimento da coletividade; sem colocá-la em isolamento, mas dando-lhe a posição de um órgão do corpo de Cristo. Como se diz em Apocalipse, o cristão é feito "coluna no santuário de Deus"; e acrescenta-se: "e daí jamais sairá". Essas palavras apresentam um outro aspecto da questão. A posição estrutural que o mais humilde dos cristãos ocupa na igreja é eterna e mesmo cósmica. A igreja sobreviverá ao universo; nela, o indivíduo sobreviverá ao universo. Tudo que se liga ao Cabeça imortal participará de sua imortalidade. Pouco se fala disso nos púlpitos cristãos dos nossos dias. O resultado do nosso silêncio pode ser avaliado pelo fato de um dos meus ouvintes, numa preleção às forças armadas, ter considerado essa doutrina "teosófica". Se não cremos nela, vamos ser honestos e relegar a fé cristã aos museus. Mas se cremos, vamos deixar de fingir que ela não faz diferença. Porque essa é a verdadeira resposta a toda exigência excessiva da coletividade. Ela é mortal; nós viveremos para sempre. Tempo virá em que todas as culturas, todas as instituições, todas as nações, a espécie humana e toda a vida biológica se extinguirão, mas cada um de nós permanecerá vivo. A imortalidade é prometida a nós, não a essas generalidades. Não foi pelas sociedades ou pelos estados que Cristo morreu, mas pelos homens. Nesse sentido, pode parecer aos coletivistas seculares que o cristianismo envolve uma afirmação quase desvairada da individualidade. Mas não será o indivíduo como tal que participará da vitória de Cristo sobre a morte. Participaremos dessa vitória estando no Vencedor. A renúncia ou, na linguagem forte das Escrituras, a crucificação do eu é o passaporte para a vida eterna. Nada que não morreu ressuscitará. E assim que o cristianismo resolve a antítese entre individualismo e coletivismo. Aí está, para o observador não-cristão, a ambigüidade enlouquecedora da nossa fé. Ela opõe-se implacavelmente ao nosso individualismo natural; por outro lado, restitui aos que abandonam o individualismo a posse eterna de sua personalidade e até de seus corpos. Como meras entidades biológicas, cada uma com a sua própria vontade de viver e de se expandir, somos, sabidamente, insignificantes; somos nulidades. Mas como órgãos do corpo de Cristo, como pedras e colunas do templo, temos a certeza de uma identidade eterna e viveremos para lembrar-nos das galáxias como se fossem histórias antigas.
(C.S. Lewis)

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