segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Carnaval

Ah, sim, estamos no carnaval, uma das épocas do ano que os brasileiros escolhem para "expurgar seus males" das formas mais conformistas possíveis, varrendo o lixo para baixo do tapete.
O Carnaval possui esse traço inconfundível de fazer desaparecer da memória de todos os males que poucos dias antes assombravam a nação. No momento em que a última purpurina acabar de cair, quando o eco dos tambores esvaecer e as fantasias e tapa-sexos voltarem para os guarda-roupas; os escândalos políticos, a criminalidade, a morte do menino João Hélio, a crise do tráfego aéreo, a crise na agricultura, a sede infatigável de poder do PT, a crise na saúde, enfim, todos os males que fustigam as pessoas desse país sem dó, piedade ou descanso, serão miraculosamente apagadas do consciente coletivo. Não que seja realmente necessário formar a maior "festa" do mundo para realizar tal façanha, somos perfeitamente capazes de esquecer tudo sozinhos, como mostra a reeleição de certos deputados e presidentes, somos capazes de perdoar e esquecer tudo o que fizeram contra nós, ou o que cometemos contra outros, ainda mesmo que nenhuma desculpa tenha sido feita, que nenhum arrependimento manifestado. Somos capazes de perdoar sem que perdão algum tenha sido pedido. Resultado esse da soma do enorme tamanho do nosso coração e da diminuta circunferência da nossa mente.

Mas é errado culpar o carnaval em demasia, se imputasse toda culpa ao carnaval, estaria cometendo um exagero e arrumando um bode-expiatório imaginário, o que não me agrade em nada. A questão é que, em termos de esquecer das nossas mazelas, temos a capacidade de produzir ótimos resultados naturalmente, sem ajuda externa alguma e sem conselho de ninguém. É uma rota de escape bizarra, que a evolução produziu no povo desse país e que permite que as pessoas sobrevivam ao Brasil.

Temos essa propriedade natural de auto-excluir da nossa mente tudo o que nos incomoda ou aflige, tudo o que nos lembre que somos uma nação de explorados e que os exploradores apenas mudam de nome, de cor e de partido. Não nos damos de conta que a nossa cultura de exaltação ao "malandro", aquele que sempre se dá bem, tem produzido um tipo de liderança que só sabe se aproveitar do simplismo da população. E isso é demais para se aceitar, nosso orgulho ferido e irracional não abre espaço para a auto-análise, aquilo que ofende o orgulho deve ser aniquilado, destruído.

Todos as mazelas que conhecemos ou participamos serão esquecidas, cedo ou tarde, mas, bem, o processo todo toma tempo, tempo demais as vezes, e quando o resultado da nossa ineficiência, incompetência, irracionalidade e crendice se acumulam sobre os nossos ombros, tornando a vida insuportável demais, temos essa grande manifestação da alegria brasileira, essa homenagem a nossa capacidade de sorrir enquanto estamos sendo roubados e assassinados e quando temos os nossos direitos negados.

O carnaval é o aprimoramento da nossa natureza, um artefato de plumas e paetês erigido não para nos lembrar do passado, como alguns sambas-enredo sugerem, mas para que nos esqueçamos dele ainda mais rápido.

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